segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Carta do papai noel

Faz parte da alma carioca, Papai Noel, a beleza estonteante da nossa cidade, considerada quase com unanimidade a mais linda do mundo. Nossos verdes estão cedendo lugar ao cinza desumano da voracidade imposta pela especulação imobiliária, que aterra as lagoas, que devasta a vegetação, que derruba árvores centenárias. Espigões horrorosos, painéis e placas de péssimo gosto enfeiam nossa paisagem e dificultam nossa visão da maravilha que é o encontro de céu, mar e montanha. Além, disso, meu caro e bom velhinho, as construções irregulares - motivadas quase sempre pela necessidade dos pobres a quem não resta alternativa senão a construção de barracos encarapitados nos morros - se espalham de forma alarmante, ampliando o eterno problema das favelas.

Ah, Papai Noel, o senhor sabe que não há coisa melhor do que curtir nossas praias, que nos oferecem a combinação irresistível de mar, areia, sol e mulheres e homens bonitos. Elas sempre nos proporcionaram o lazer mais democrático oferecido em quilômetros e quilômetros de um palco dourado pelo sol e beijado pelas ondas. A poluição das águas e o inferno da violência deixam qualquer alma carioca sobressaltada onde antes só havia a cervejinha, o vôlei, o surfe, o bronzeado e a “azaração”.
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Como toda alma carioca, Papai Noel, sou um amante da liberdade, inclusive da liberdade de ir e vir. Mas como ir e vir, bom velhinho, num trânsito caótico como esse, onde milhares de automóveis tomam de assalto até as calçadas e praças? Antigamente, as idas para o trabalho e a volta para casa eram um grande passeio, desde os tempos do bonde. Mover-se pela cidade era ver milhares de cartões postais com paisagens e construções que nos permitiam esquecer os deveres e as preocupações. Hoje, isso significa a condenação ao engarrafamento, além do medo dos assaltos, que faz de cada carro uma prisão que se move, com gente amedrontada dentro, olhando a cidade através das películas escuras de proteção. Isto sem pensar na afronta dos “flanelinhas”, que contribuem para que os cariocas renunciem ao antigo prazer de sair de casa, conjugado em nossa Cidade Maravilhosa por um amor imenso pelas atividades culturais.

Nossas esquinas e praças, Papai Noel, sempre foram lugares de lazer e gentileza. Nos dias que correm, são vitrines para exibição da pobreza mais lamentável. Impossível passar por elas sem que a alma carioca se entristeça, sobretudo com a visão de crianças e velhos que tentam a sobrevivência como pedintes, muitas vezes agora disfarçada de malabarismo, ou expressa na forma mais ostensiva dos que penduram balas nos espelhos retrovisores ou limpam pára-brisas à força.
Sou uma alma carioca que tem medo de ficar doente, caro e saudável bom velhinho. Antes, nossos hospitais, especialmente os públicos, eram referência de bom atendimento. Agora, entupidos de pacientes, com profissionais mal pagos – que não obstante fazem das tripas coração para salvar vidas -, com equipamentos obsoletos e sucateados, com falta de material e tudo o mais, nossos hospitais são tristes exemplos de como se pode sofrer mais do que o necessário e com menos esperança.

Ah, meu caro Papai Noel, é tanta coisa para pedir que esta carta ficaria imensa, além de amarga. Mais emprego, segurança, limpeza, atenção para com os portadores de deficiências, mais e melhores escolas públicas, mais praças, a volta dos bons cinemas de bairros, o retorno do carnaval de rua, autêntico e espontâneo... Tudo isto e muito mais, meu bom velhinho.
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Mas não pense que esta alma carioca vai cair na depressão, na revolta ou virar uma alma penada que choraminga. Não. De jeito nenhum. Apesar das mentiras, das promessas vãs e das roubalheiras dos políticos, ainda estamos na melhor cidade do mundo. Apesar de tudo, o sol brilha aqui como em nenhum lugar; o pôr-do-sol tem uma vermelhidão incomparável; as cervejinhas e o chope continuam estupidamente gelados; as mulheres de corpo dourado e curvas inigualáveis e os jovens esculpidos pela malhação continuam fazendo de nossa cidade o lugar da gente mais bonita do mundo.
Apesar de tudo, a alma carioca continua alegre; o samba continua agitando os fundos de quintais; shoppings e ruas de comércio continuam como passarelas em que vale a pena desfilar; o Maracanã permanece como um templo inigualável do futebol.

Por favor, Papai Noel, quero isso tudo de volta. Sei que é difícil, mas tente atender estes meus pedidos. E quando sobrevoar nossa cidade em seu trenó de sonho, puxado pelas renas da esperança veja se eu não tenho razão de me orgulhar de ser, para sempre, uma alma carioca.

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